O
ano era 1895. O Brasil vivia ainda uma fase de crescimento e
desenvolvimento. Naquele tempo, muitos foram os fatos de grande
relevância. Após um longo tempo de conflitos políticos, o país
reata as relações diplomáticas com Portugal. A Revolução
Federalista no sul do país, ocorrida após a Proclamação da
República, chega a seu fim com a assinatura de um tratado de paz
entre os republicanos e os federalistas – que pretendiam, na época,
“libertar o Rio Grande do Sul da tirania de Júlio de Castilhos”,
então governador do Estado. E na cidade de Paris, na França, os
governos brasileiro e japonês assinam o Tratado de Amizade, Comércio
e Navegação, a fim de estabelecer as relações diplomáticas entre
as duas nações.
Foram
todos esses fatos marcantes na história do Brasil e no mundo, mas no
cenário nacional do esporte, foi o tempo em que a população
começava a ser apresentada por uma nova modalidade esportiva. Um
estrangeiro vindo da Inglaterra, de forma esférica, com pele de
couro e que quicava toda vez em que era chutada deu o ar da graça
nos campos localizados nas várzeas e regiões tanto nobres quanto
periféricas da cidade de São Paulo.
O
soccer ou o football, logo foi traduzido para o popular brasileiro
futebol. Charles Miller, considerado o pai do esporte bretão, bem
como do críquete e do rugby, foi o responsável por contagiar a
todos os brasileiros com essa modalidade, que logo, se tornou a atual
referência do país.
Neste
dia 14 de abril, fazem exatos 120 anos em que o pontapé inicial foi
dado. O futebol, visto como esporte onde apenas a elite obtinha o
direito à prática, teve sua história mudada a partir de 1894. O
paulista Charles William Miller introduzia em terras brasileiras um
elemento trazido da Inglaterra chamado bola.
Durante
boa parte de sua vida, Miller morou e foi educado na Inglaterra.
Conheceu o futebol no colégio, jogando pelo Banister Court School,
depois pelo Corinthian football club, pelo St. Mary´s football club
(atual Southampton football club) e pela seleção do condado de
Hampshire. Era um atacante rápido, excelente driblador e dono de um
chute forte e preciso, qualidades que o destacaram mesmo na
Inglaterra, onde o futebol já amadurecera e conquistara um número
expressivo de adeptos.
Após
regressar da Inglaterra para o Brasil, Charles veio parar na
Companhia Ferroviária São Paulo Railway, responsável pela linha
que interligava São Paulo à baixada santista, e onde seu pai, o
escocês John Miller, era um dos funcionários. E em uma iniciativa
um tanto inusitada na época, funcionários da companhia ferroviária
de origem inglesa criaram um time de futebol como uma forma de
entretenimento e lazer entre os trabalhadores.
Foi
então que naquele dia 14 de abril de 1895, a equipe da São Paulo
Railway Athletic Club, time composto pelos próprios funcionários da
companhia ferroviária, disputava a primeira partida oficial no país,
contra a Companhia de Gás, também formada por trabalhadores da
empresa.
O
jogo aconteceu em um solo de terra na Várzea do Carmo, nas
proximidades do centro paulistano. O clube ferroviário teve êxito
na partida, vencida por 4 a 2, com dois gols de Miller. Nesse embate,
um dado curioso: os jogadores de ambas as equipes eram ingleses
radicalizados na cidade paulista.
No
final do jogo, a exclamação feita pelos jogadores foi a seguinte:
“Que ótimo esporte, que joguinho bom”. E foi assim o início de
uma grande trajetória de conquistas do esporte em terras que ainda
lapidariam outros grandes talentos na modalidade.
'QUE JOGUINHO BOM'
Ao voltar da Inglaterra em novembro de 1894, Miller trouxe consigo duas bolas e um livro de regras do futebol.
Fora por dez anos, ele foi atacante do time da escola de Bannister, do St. Mary (hoje Southampton) e da seleção de Hampshire.
No Brasil, era funcionário da São Paulo Railway e sócio do São Paulo Athletic Clube (SPAC) –hoje, Clube Atlético São Paulo–, e passou a divulgar a modalidade.
"Quando Miller chegou ao Brasil, só havia o críquete, tradicional jogo inglês. Não tinha futebol. Como o SPAC interrompia as atividades no verão, Miller teve de esperar até março de 1895 para reunir os colegas e disseminar o futebol. Primeiro começou a organizá-los e a treiná-los. Não havia campos e por isso as chácaras eram as áreas escolhidas para o jogo", diz o historiador John Mills, autor da biografia "Charles Miller, o Pai do Futebol Brasileiro".
Em abril, a ideia de fazer o primeiro jogo amadureceu.
O time da ferrovia venceu por 4 a 2 a equipe da companhia de gás. Miller fez dois gols. No entanto, não há registro de quem fez o primeiro gol do futebol brasileiro nem dos outros gols do jogo.
"Nada sobreviveu daquele jogo. A única informação que restou foi um depoimento dado por Miller ao jornalista Thomaz Mazzoni, de 'A Gazeta Esportiva'", explica Mills.
O depoimento foi publicado na edição de 1942 e mostra que o jogo impressionou os companheiros de Miller.
"Ao chegar ao campo, a primeira tarefa que realizamos foi enxotar os animais que ali pastavam. Logo depois iniciávamos nosso jogo, que transcorreu interessante, sendo que alguns jogaram mesmo de calças, por falta de uniforme adequado", disse.
"Quando deixamos o campo já estava assumido o compromisso de promovermos um segundo jogo, sendo que a exclamação geral foi esta: 'Que ótimo esporte, que joguinho bom'", relatou.
IMORTALIZADO
Após o primeiro jogo, outros passaram a acontecer, sempre envolvendo a comunidade britânica e seus descendentes. O fato de o grupo ser muito seletivo e reservado entre si fez surgir outras equipes.
Casos do time do Mackenzie, formado em 1898, do Germânia (atual Pinheiros), fundado em 1899, do Internacional, também em 1899, e do Paulistano, já em 1900.
Com cinco equipes na cidade, ocorreram mais jogos e surgiram mais campos, como o Velódromo (hoje praça Roosevelt) e o Parque Antarctica (hoje estádio do Palmeiras).
Até dezembro de 1901 todos os jogos eram amistosos. Foi quando surgiu a primeira Liga Paulista, que no ano seguinte organizou o primeiro campeonato oficial.
Para se ter ideia do pioneirismo em São Paulo, o segundo campeonato Estadual mais antigo do Brasil é o da Bahia, que iniciou em 1905.
Miller abandonou os gramados em 1910. A despedida foi no dia 11 de setembro, após ter vencido quatro Estaduais, feito 66 jogos e 34 gols, segundo John Mills. Ainda virou árbitro e continuou acompanhando o esporte até 30 de junho de 1953, quando morreu de insuficiência renal, no hospital Samaritano, em São Paulo, já aos 79 anos.
A memória dele foi preservada pelo SPAC e também por John Mills. Hoje, o historiador trabalha junto ao clube na reconstrução de um memorial dedicado a Miller.
O local ficará na sede do SPAC, no bairro da Consolação. Além das taças que Miller ganhou como esportista (ele jogou rúgbi, tênis e críquete, entre outros), haverá um busto e fotos.
A
inauguração do espaço deve ser no próximo mês. "Charles
Miller não é apenas o pai do futebol. Ele foi o incentivador de
muitos esportes, como o rúgbi, o tênis. O Memorial vai mostrar toda
a obra dele, que sempre foi um verdadeiro esportista",
orgulha-se Mills.
Fonte: Folha de São Paulo
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