sábado, 17 de setembro de 2016

NAS TERRA DE CATUCÁ - POR EDNALDO BEZERRA




Fazia tempo que Pedro desejava participar de uma peregrinação, e, por coincidência, um amigo dele, o Barroso, o chamou para a Caminhada dos Peregrinos nas Terras de Catucá, em Chã-Grande.

– O pessoal sai da sede da fazenda e segue até o Mosteiro da Escuta do Senhor, onde receberá a benção, e, em seguida, retorna ao ponto inicial. São apenas dezesseis quilômetros. É uma versão reduzida do Caminho de Santiago, tem até que carimbar o cartão ao longo do trajeto.

– Que legal, Barroso! Vou ver se minha mulher quer ir mesmo. Talvez ela ache dezesseis quilômetros meio puxado...

– Diga a Teresa que teremos carros para pegar os cansados. E, claro, pontos de distribuição de água e locais para descanso. Além disso, haverá rádio de comunicação com o pessoal de apoio e dois quadriciclos rodando pelo percurso, no caso de algum imprevisto.


Pedro e a esposa chegaram cedo à fazenda, e foram ao café da manhã. O mungunzá já estava no final, muita gente se servindo, sucos de frutas, melancia, melão, abacaxi. Enquanto aguardavam a saída, ficaram ali, perto da mesa, conversando com Márcia e João. Depois da foto do grupo, todos já se deslocavam para registrar no cartão o carimbo da partida.

O sol brilhava, e o dia começava a esquentar. Os dois saíram com o casal de amigos e foram juntos até a igreja de São Roque, uma capelinha bem antiga, branca com detalhes em amarelo-escuro. Um som de flauta ecoava de seu interior. O caminho seguia por uma estrada de barro estreita e com uma ladeira bastante íngreme.

– Podem ir na frente. A gente vai mais devagar, por causa do meu joelho – disse Teresa.

A subida era longa. Após alguns minutos viram o casal se distanciar. Mas Pedro e Teresa logo alcançaram uma senhora com um cajado. Chamava-se Estela. Durante a conversa, souberam que já era uma peregrina experiente. Fizera o Caminho de Santiago de Compostela, oitocentos quilômetros em quarenta e cinco dias.

– A gente acorda cedo e já começa a andar, é como um trabalho.
Ela diminuiu o ritmo, e eles prosseguiram. Quando chegaram ao topo da montanha, se depararam com uma paisagem que os paralisou. Ficaram alguns instantes contemplando a imensidão.

– Querem que eu tire uma foto de vocês? – perguntou Aurora, a mulher do Barroso, ao passar.

Claro que eles não poderiam deixar de eternizar aquele momento. Depois disso, caminharam um tempo sem companhia. Pedro achou isso bom. Pôde se concentrar no que via, no que escutava, na natureza. Sentia o agora intensamente, nada o preocupava. Até que viu, numa descida, após uma curva à direita, um cachorro de pelo bege. Será que vai avançar? E agora? Quando estava bem perto do vira-lata, o rapaz olhou meio de lado, e o animal passou como se eles não existissem.

O caminho continuava com descidas e subidas. Uma estradinha de barro ladeada por árvores, flores; aqui e acolá surgiam hortas de alfaces, cebolinhas, couves, coentros; duas vacas pareciam descansar numa sombra. Passaram por uma igrejinha, sítios, casa
de farinha, haras, até pararem num ponto de apoio para descansar. Sentaram numa mureta de cimento, beberam água, comeram banana e barra de cereal. Revigorados, seguiram adiante. Andaram mais uns dois quilômetros, e, finalmente, avistaram o mosteiro. A ideia inicial deles era voltarem no carro de apoio, mas algo aconteceu.

Assim que chegaram, o casal de amigos se aproximou. Eles já haviam recebido a bênção e iriam retornar a pé.

– Daqui a pouco vai haver outra bênção para o pessoal que está chegando agora. A gente já está voltando e se encontra lá – Márcia falou.

Teresa e o esposo entraram na capela. O ambiente com pouca luminosidade, as paredes de tijolos aparentes, os bancos de madeira escura, o altar à frente. Havia um crucifixo com um Jesus de bronze e um candelabro antigo, com sete velas. O rapaz ajoelhou-se e rezou o Pai Nosso e a Ave Maria.

Em seguida, um padre beneditino começou a falar. Disse que, nessa vida, todos são peregrinos. Como na caminhada que eles faziam, estavam aqui na Terra para se ajudarem uns aos outros, seguir um destino, cumprir uma rota, cada um a seu modo. Abençoou as pessoas presentes e saiu do altar.

Pedro não sabe se por conta do sermão do religioso, ou por outro motivo qualquer, a sua esposa quis retornar caminhando, até onde o joelho dela aguentasse. Ficou surpreso, e concordou.
Ao saírem da capela, se depararam com Estela e seu cajado.

– Vocês vão voltar andando, Teresa?

– Sim.

– Então vamos juntos.

O calor aumentava. O sol fazia um ângulo quase perpendicular ao solo. Vez por outra, uma nuvem o cobria, e uma brisa os refrescava. De novo, subidas e descidas, quentura e frescor, silêncios e conversas, dificuldades e facilidades, cansaço e vigor; e sempre a presença da natureza, de Deus, aquietando-lhes o espírito. Uns desistiam pelo meio do caminho, e chegavam ao destino de carona no quadriciclo que passava de vez em quando. Devagar ou ligeiro, todos chegarão lá. Mas a vida também não é assim?

Um carro de apoio se aproxima, duas mulheres descem e se juntam a eles. Mais à frente, param para descansar. E as recém-chegadas prosseguem. Dez minutos depois, Estela e o casal recomeçam a jornada. Com fome, Pedro vislumbrava a feijoada que seria servida no almoço. A vontade de chegar os impulsionava, lhes dava força para vencer os desafios.

Por que Teresa não mais se queixava de dores nos joelhos? O que teria acontecido? Uma borboleta azul cruza o caminho. Pedro nunca tinha visto uma daquelas. Grande e bela. Seria um prêmio divino pelo esforço e pela fé?

– Essa borboleta é comum nas montanhas do agreste pernambucano. Ela se chama Capitão – disse Estela.

A paisagem e a conversa distraíam o cansaço...

Passava das duas da tarde quando chegaram à casa-sede. Uma festa! Uma algazarra geral. Foram recebidos com aplausos pelos 
presentes. 

E... Já não eram mais os mesmos.


Por: Ednaldo Bezerra
         Escritor

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