O POVO CLAMA!!!
O GOVERNO ENGANA!!!
Depois
dos protestos de junho de 2013, o Tomé me veio com uma conversa
estranha, dizia ele que a mídia criticava muito o governo do PT, em
especial a presidente Dilma.
– A mídia cria um clima de desgoverno, Dr. Saraiva. Tu não vês?
Dei uma discreta gargalhada (o Tomé se irrita fácil, basta uma pequena contrariedade).
– Como é que é essa história, Tomé? Será que entendi direito o que você disse?
– É isso mesmo, doutor! Vê quantas críticas. Não percebes?
Raramente
há críticas, vejo apenas informações. De fato, eu não acreditava no que
ele me dizia, pois eu via justamente o contrário – complacência. Nas
ruas, o povo pedia, basicamente, o fim da corrupção, a melhoria nos
transportes públicos, na saúde, na educação. Não se falou em nova
constituinte, plebiscito, referendo, reforma política, contratação de
médicos, mudança no curso de medicina, nada disso se cogitou.
–
Agora, Tomé, você me desculpe, mas as medidas propostas pelo governo é o
que está na mídia, basta pegar um jornal e observar. Pois bem, meu
camarada, a ideia de uma nova constituinte, talvez, seja um projeto
antigo do PT. Quem sabe? Se verificarmos o plebiscito que ocorreu na
Venezuela... E quanto à contratação dos médicos estrangeiros? Você não
se lembra, Tomé? Aventaram essa possibilidade bem antes dos protestos,
falava-se em trazer agentes cubanos, ou melhor, médicos cubanos para
suprirem a carência nas cidades do interior (desculpe-me o erro, mas
corrigi em tempo. É que foi desse jeitinho a minha conversa com o Tomé).
–
Pois então, Tomé, a mídia só fala, ultimamente, em reforma política, em
médicos, e acho que já está conseguindo desviar o foco dos problemas
principais. A propósito, me responda, o Brasil tem quantos ministérios? E
as comissões, quantas são? E os condenados do mensalão? E a violência? E
a impunidade? E a estrutura dos hospitais públicos? E os transportes?
E...
Peguei um jornal e lancei um desafio:
– Vamos fazer uma análise de discurso nos artigos. Que tal?
Ele topou. Peguei um dos jornais. Abri-o aleatoriamente.
– Veja esta reportagem, meu velho, chega a ser nojenta como a coisa é conduzida.
Li para ele sobre as questões da contratação de médicos para as cidades carentes.
– Veja você, Tomé, o artigo diz que a formação dos médicos será alongada (por acaso, houve
algum estudo, junto com a classe médica, para tal medida? Isto não é
uma arbitrariedade?); aqui também fala que o programa prevê uma bolsa
mensal de dez mil reais (líquidos) e uma ajuda de custo que pode chegar a
trinta mil reais, ambas pagas pelo Ministério da Saúde (Caramba, Tomé!
Enquanto muitos brasileiros sobrevivem com um salário mínimo, isto chega
a ser cômico).
Ainda tem mais, Tomé, a prioridade da contratação é para
os médicos formados no Brasil, depois para os brasileiros e
estrangeiros formados em outros países, com foco para Portugal e
Espanha. Quanto aos vindos do exterior, não será necessário o
‘revalida’. Pergunto-lhe: Por quê? Qual o receio em fazê-lo? Ah! Também
não serão mais médicos cubanos os contratados, como anunciado muito
antes dos protestos. Agora me diga, quantos brasileiros fazem medicina
em Cuba?
Pois bem, Tomé, o que quero lhe dizer é que as reportagens
apoiam e enaltecem as medidas, não fazem críticas isentas. É só pegar
qualquer jornal e você verá. Vamos analisar este outro artigo... Olhe
este, querendo justificar a reforma política: ‘...sejamos justos: nas
manifestações havia um ou outro cartaz exigindo a reforma política...’
Você viu algum cartaz desse tipo? Pois, ninguém me mostrou? E este
artigo aqui... E este outro... Tá vendo, Tomé, o discurso de todos eles é
marxista.
De repente, o Tomé esboçou um sorriso, deleitava-se, como se dissesse: ‘agora te peguei’; foi logo me dizendo:
– Olha esta crônica, com um discurso conservador, de direita.
Li. Realmente, ele tinha razão.
– Afinal, Tomé, a mídia deve primar pela democracia, pela liberdade de expressão.
Argumentei.
Na verdade, apelei, apesar de ter sido encontrado um único artigo com
uma ideologia diversa. Porém, olhei mais detidamente naquela página.
Alegrei-me. Era a página de opinião dos leitores. E, para por fim àquele
sorriso zombeteiro do Tomé, mostrei-lhe, no canto superior esquerdo o
que estava escrito: ‘Os artigos publicados não refletem,
necessariamente, a opinião deste jornal’.
– Esta crônica não vale, Tomé; procure outra.
Ele
fechou a cara, pegou o restante do jornal e vários de que dispunha,
ficou compenetrado. Olhei para o relógio de parede, quase três da tarde.
Pensei em caminhar. Despedi-me e saí.
À
noite, antes de dormir, lembrei-me do Tomé... Coitado! Ainda não me
ligou. Deve estar, até agora, procurando artigos em jornais, fazendo
análise de discurso. Ele não se dobra fácil. Oxalá encontre um para me
mostrar amanhã. Pelo menos um...
O escritor Ednaldo Bezerra tem se destacado neste blog com seu contos interessantes. Parabéns!
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