sexta-feira, 19 de julho de 2013

CRÔNICA "PSICOGRAFIA" - POR EDNALDO BEZERRA


Descendente de mineiro, cheguei meia hora antes ao consultório. Detesto ir ao dentista. Sentei-me. Levantei-me; andei de um lado para o outro; olhei para o relógio de pulso, nove e cinco; sentei-me de novo. Puxa vida! Devia ter tomado um chazinho de cidreira como mamãe me aconselhou, ou, então, valeriana. Calma! É só um tratamento de canal, e, no dente vinte e cinco, é moleza. Mas o problema não é esse (o medo), o ruim é ficar com a boca aberta, “Não feche para não contaminar”, já estou até ouvindo a dentista falando. Aí, começo a suar, me dá uma coceira na garganta, um pigarro. Pronto! O que faço? O pior é quando ela fica procurando algum instrumento... Perdia-me em meus próprios pensamentos, quando percebi, sentada à minha frente, uma negra – belíssima, diga-se de passagem –, com camiseta rosa e saia florida, me observando.

Senti-me ridículo. Olhar amável, parecia esboçar um sorriso. Estaria zombando de mim? Talvez. Fiquei pequenininho. Peguei uma revista para disfarçar minha ansiedade. Uma “Veja”, olhei a data da edição, 26 de junho de 2013, pelo menos é recente. Não se passaram dez minutos, eu lia, escandalizado, a reportagem “O ministro chefe da oposição”, quando notei ela se aproximando com um papel na mão esquerda; pediu-me uma caneta (tenho a mania de sempre andar com uma). Prontamente, entreguei-lhe. Porém, ao olhá-la nos olhos, a mulher estava com outra expressão facial, parecia transtornada, se eu não a tivesse visto antes, angelical, diria estar diante de um gladiador. Ela escreveu algo no papel, e colocou a caneta e o bilhete, bruscamente, no bolso da minha camisa. Neste exato momento, a dentista me chamou. Não deu nem tempo de tirar o papel do bolso para lê-lo. Isto foi bom. O remédio de que precisava; pois, enquanto a dentista me torturava, ou melhor, enquanto ela cuidava do meu dente, eu imaginava o que poderia estar escrito naquele papel, vieram-me mil pensamentos, fantasias...

Para o meu alívio, a dentista terminou o serviço, a tristeza é que marcou a volta. Mas fazer o quê? É a vida! Pois bem, saí dali como o diabo foge da cruz. A primeira coisa que fiz, quando me vi livre da dentista, foi pegar o papel para lê-lo. A letra não era delicada e bonita como a das mulheres em geral, muito pelo contrário, feia como a dos homens. Li: “Brasileiros, o meu livro ‘A Revolução dos Bichos’ é uma obra de ficção, qualquer semelhança com a situação atual é mera coincidência. - George Orwell”. Achei estranho. Inusitado. Seria uma brincadeira?

Procurei saber da mulher de camiseta rosa e brincos dourados. A recepcionista disse-me que ela fora atendida pela outra dentista, coisa rápida, e que já havia ido embora fazia uns cinco minutos. Não quis me dar mais informações, apesar da minha insistência. “Dados dos pacientes são confidenciais”. Compreendi.

O sol brilhando lá em cima me reanimou, uma alegria tomou conta do meu espírito. No ônibus, com a boca ainda anestesiada, olhava o movimento da cidade, uma mocinha com um caderno na mão caminhava apressadamente, um pescador lançou a rede no rio Capibaribe, do alto da ponte Maurício de Nassau. E eu, um católico convicto, me perguntava: “Terá sido psicografia?”.
 
Ednaldo Bezerra é estudante de Licenciatura em Letras da UFPE

2 comentários:

  1. Mantenho minha fidelidade de leitor, continuo acompanhando as crônicas desse autor que são bastante criativas.

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  2. Maria Helena dos Santos19 de julho de 2013 às 19:55

    Esse "Bezerra" do Ednaldo é da Mata Redonda ou do Brejinho? Ele sabe que papel aguenta tudo e destrincha com muita clareza e propriedade suas passagens.Parabéns!

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