quinta-feira, 26 de setembro de 2013

EMBARGOS INFRINGENTES (OU UMA QUESTÃO DE RETÓRICA) - EDNALDO BEZERRA


Antes de entrar na sala de aula, o doutor Saraiva observava dois alunos conversando, num dos corredores da universidade, a respeito dos últimos acontecimentos:

 – O voto do ministro Celso de Mello foi magnífico, lúcido, incontestável, uma vitória do direito.

 – Vitória do direito? Pois bem, meu amigo, a Lei 8038/90 não prevê embargos infringentes; ou prevê? (a menção existente nas disposições gerais, pelo que entendi, refere-se a outro assunto), e você há de concordar que, sendo assim, só se pode adotar um procedimento previsto em lei. O regimento interno do STF, no seu artigo nº 333, menciona tal dispositivo; no entanto, ele – o regimento interno – é de 1980 (anterior à lei), dessa forma, há, por certo, alguns dispositivos que foram revogados pela lei. Ora, meu camarada, sendo o STF a última instância, um processo que há quase nove anos vem se arrastando, que mobilizou a sociedade, a admissão desses embargos, a meu ver, macula a imagem do judiciário. Desse modo, onde está a vitória do direito? Ademais, lembre-se de que, à luz dos ordenamentos jurídicos, há argumentos contrários e a favor, tanto é que o assunto definiu-se no STF por apenas um voto de diferença. Agora me diga, o que é esse celeuma todo diante do mensalão?

– Calma aí! Entendo a sua revolta, mas a Lei 8038/90 não revogou expressamente o artigo nº 333, do Regimento Interno do STF; muito pelo contrário, ela diz que o tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno. Portanto, o voto foi correto.

– De fato, não houve revogação expressa, mas tácita; pelo menos este é o meu entendimento. Observe que, conforme li sobre o tema, não cabem aos demais tribunais superiores, disciplinados pela mesma lei, embargos infringentes, assim parece-me ilógico caber no âmbito do STF. Além disso, não é razoável o plenário do Supremo apreciar uma causa duas vezes, como se a primeira não valesse; pode dar até a impressão de que tudo não passava de uma brincadeira, e que, agora sim, na segunda vez é que seria de verdade.

Eles caíram na risada, e o rapaz de camisa azul, que acabara de falar, prosseguiu: – Há de se considerar também a duração do processo. Houve quantas sessões naquela corte? Quarenta? Cinquenta? E o custo disso tudo, o desgaste... E se fossem os mesmos ministros, será que estariam dispostos a rever suas posições? E se a votação se restringisse a quem participou do julgamento, qual seria o resultado?

Será que, numa nova apreciação, os principais réus do mensalão serão absolvidos do crime de formação de quadrilha e cumprirão as respectivas penas em regime semiaberto?

Nisso, um dos jovens viu o doutor Saraiva se aproximando, notou que ele escutara toda a conversa, e lhe perguntou o que achava disso tudo. O professor disse-lhes: – Penso que a ideologia cegou alguns de vocês, dizer que os cinco ministros do STF que foram contrários aos embargos infringentes não basearam seus votos nos ordenamentos jurídicos soa até como desrespeito à classe dos juristas. A questão não é consensual e ponto final; porém, cabe ressaltar que ela não é nada diante do escândalo do mensalão (e isto, pelo visto, não foi levado em conta como deveria). Pois bem,  embriagados pela ideologia muitos de vocês não perceberam a sutileza da manipulação dos discursos, sobretudo, da mídia – vários jornais e noticiários se perguntavam se o voto do ministro Celso de Mello seria técnico ou político – ora, sejamos pragmáticos, decidisse ele a favor ou contra, em ambos os casos estaria sendo técnico. Mas, nos últimos dias, se polarizou a questão e fez todos acreditarem que ser favorável seria técnico e ser contrário, político. Ledo engano. Feita essa dicotomia, aí ficou fácil, pois qualquer profissional que se preze (seja ele advogado, contador, engenheiro, médico) decide uma questão de sua área de atividade observando os aspectos técnicos. Portanto, deixem a ideologia de lado, desapaixonem-se, abram os olhos...

– O senhor tem razão, a retórica faz muita diferença. Imagine também se o discurso da mídia fosse: “Será que o voto do ministro Celso de Mello será técnico, acompanhando os costumes, os anseios da população de por um basta na corrupção e na impunidade – enfim, seguirá a evolução natural do direito – reforçando a independência do judiciário, ou será um voto subserviente ao poder executivo?”, talvez a repercussão do voto fosse outra. Pois bem, professor, eu próprio, um simples estudante, poderia fazer um discurso convincente contrapondo o do ministro, e não precisaria ir muito longe, bastaria me basear no Contrato Social, de Rousseau.   

– É possível, meu jovem, porém, há um erro estratégico nisso tudo: o voto do ministro pode custar caro mais à frente, pois a indignação popular certamente será o fiel da balança nas urnas. É isso aí! Deus escreve certo por linhas tortas. Mas deixemos de conversa e vamos para a nossa aula. É o melhor que temos a fazer!

E todos entraram na sala de aula, naquela manhã ensolarada de quinta-feira.



Ednaldo Bezerra é estudante de Licenciatura em Letras da UFPE.

Um comentário:

  1. Esse ministro cabra safado merecia um tiro bem no meio da testa.

    ResponderExcluir

Caro leitor, seja educado em seu comentário. O Blog Opinião reserva-se o direito de não publicar comentários de conteúdo difamatório e ofensivo, como também os que contenham palavras de baixo calão. Solicitamos a gentileza de colocarem o nome e sobrenome mesmo quando escolherem a opção anônimo. Pedimos respeito pela opinião alheia, mesmo que não concordemos com tudo que se diz.
Agradecemos a sua participação!

NOSSOS LEITORES PELO MUNDO!