sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

CRÔNICA: "MOMENTO PRESENTE" - POR EDNALDO BEZERRA


– Olha, filho, que noite linda! Tá vendo aquelas estrelas?
– Sim, papai, são as Três Marias, o cinturão de Órion.
– Isso mesmo, Antônio Luís! Quando você estiver bem velhinho, olhe para o céu na noite de Natal, neste mesmo horário, e verá a constelação de Órion bem acima de sua cabeça.
– E que horas são agora, papai?
– São onze e quinze.
Miguel acordou mais cedo. Um silêncio dominava a casa. Todos dormiam. Passou um café, abriu a porta e foi para o terraço. Fazia sol, sentou-se no chão, encostando as costas numa pilastra. O café fumegava na caneca, deu um gole generoso e ficou olhando o quintal. O pé de acerola, carregado de frutas – vermelhas, rosas, verdes, amareladas –, parecia mesmo uma árvore de Natal. Um vento refrescante balançava as folhagens e os galhos cheios de Seriguelas; o abacateiro deixava uma pequena sombra no gramado.  Na parte de trás, com o peso dos mamões, um mamoeiro pendia para o lado direito. Tudo parecia uma pintura...

Ele se lembrava da noite anterior – as estrelas, a alegria, a ceia na mesa, o cheiro do assado, o barulho da rolha ao abrir o espumante, o brinde com a família, os abraços de Feliz Natal. Mas aquilo já era passado. O presente era o quintal que ele olhava. O futuro existia apenas na imaginação. Pensou na tia que morrera no início de dezembro. Como pode não estar mais aqui conosco? E o que dizer da queda do avião da Chapecoense? Que coisa mais estranha é a vida!

De repente, se deu conta de que a vida só existe num átimo de segundo, no momento presente. E a vida estava ali, diante dele, Miguel a contemplava naquele exato momento. As cores vibrantes da natureza, a sua própria respiração, o passarinho chilreando no topo de uma árvore, o sol brilhando, a brisa acariciando-lhe o rosto, um pernilongo picando-lhe o braço esquerdo...

Sozinho, naquele silêncio da manhã, uma sensação de paz, de bem-estar lhe invadia o ser. Enfim, estava vivo, e isso era o que importava. Percebeu que, muitas vezes, a vida lhe escapava – ou a mente estava ocupada com as lembranças do passado, ou estava pensando nos projetos do futuro.

Mas como é intensa a vida, quando silenciamos os nossos pensamentos. Por que não se apercebera disso antes? Silenciar a mente! Meditar um pouco. Ter fé e alegria. Valorizar cada momento, controlar as divagações dos nossos pensamentos, amar as pessoas, contemplar a natureza... Eis a chave do viver!

Miguel pensava nessas coisas quando Antonio Luís chegou ao terraço pedindo-lhe o leite.

E ele, carinhoso, abraçou e beijou o filho como se só existisse aquele instante.




Por: Ednaldo Bezerra... é escritor

2 comentários:

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