sábado, 22 de abril de 2017

CONTO: CORONEL TRIGUEIRO - POR ESCRITOR EDNALDO BEZERRA


  
    Ele tinha vontade de entrar no mar até perder a terra de vista. Estava pescando com Nazário; o sol queimava a pele e esquentava o crânio; vez por outra, vinha uma onda forte, batia no bordo da jangada, fazia espumas e respingava água, molhando tudo, causando um delicioso frescor.

    – Ajuda aqui, coronel, o peixe parece que é grande!
    A vara envergada, o náilon esticado, a ponto de rebentar. Nazário alivia um pouco a linha, o coronel assume o controle. Depois, revezam-se no comando da tarefa, até que, por fim, uma enorme cavala salta para dentro da embarcação.

    – Nossa! Que bichão! Eu não disse que esse era dos bons! Deve ter mais de dez quilos.
    – Caramba! Pelo tamanho, tem uns quinze. Já valeu a pescaria... Sabe, Nazário, estava pensando em ir a Noronha, de barco; vais comigo?

    – É muito longe. E...

    – Cara! Tu estás com medo? Deixa de ser frouxo, homem. Desafiar a natureza vai ser uma aventura inesquecível.

    – Eu, com medo? Que nada! Quando vamos?

    – Topas mesmo?

    – Claro.


  – Então, está combinado. Vou chamar também o Gil, e providenciar a construção do barco. Gil era um funcionário civil da Aeronáutica, bastante prestativo e amigável, jamais se negaria em participar da empreitada.

Passados alguns dias, chega ao Cabanga Iate Clube um caminhão carregado com troncos de jaqueira. Homens trabalham, constroem a embarcação que, em pouco tempo, é testada e aprovada. Motor central possante, capaz de desenvolver uma velocidade de vinte nós.

    – Vamos partir amanhã, temos provisões e água suficientes para quatro dias, mas devemos chegar lá em no máximo dois dias, pois navegaremos a uma velocidade de doze nós. Partiremos às seis da manhã. Ok? – disse o coronel, com um entusiasmo juvenil.

     – Tá bom. Mas acho que a gente devia levar um rádio-amador!

– Precisa não, Gil. Basta a bússola. Assim perde a graça. O que não pode faltar é a cachaça –, respondeu o coronel dando gargalhadas.

Esse coronel é doido varrido! Quero só ver o que dona Salete vai achar dessa história...

O barco afastava-se da costa; ao longe, viam-se os prédios da orla de Recife cada vez menores, até que, finalmente, só se enxergava céu e mar. O coronel olhava para o sol, como querendo por ele se orientar, franzia a testa, as rugas sulcavam-lhe o rosto. Tinha um olhar indefinível, enigmático, mas exprimia aquela típica vivacidade e alegria dos homens que amam viver intensamente. O farto bigode negro e o jeito autoritário de falar davam-lhe uma expressão severa. Atento, percebia os sons que emanavam do ar. Qualquer zumbido. Vez por outra olhava para o céu, como que procurando algo. E, depois de alguns segundos, dizia:
– Nazário, dez graus a boreste.

Acendia um cigarro, conversava, ficava deslumbrado com a natureza.
Devia ter ido para a Marinha, em vez de ser aviador da Força Aérea. Tinha o espírito aventureiro e adorava o mar, de modo que se adequaria bem à vida marinheira.

Alguns tubarões rodeavam a embarcação. Gil, de início, olhava-os preocupado; no entanto, logo se acostumou. Pescavam, alimentavam-se de peixe, riam, divertiam-se, enfrentaram chuva forte, tomaram pinga para se esquentar. À noite, a lua em quarto crescente, assemelhava-se a um pedaço de unha cortada; as estrelas brilhavam na escuridão – um espetáculo divinal. Nazário foi o primeiro a avistar o Arquipélago de Fernando de Noronha, e gritou: “Terra à vista!” A alegria estampava na fisionomia dos três amigos, que brindaram, cada qual com uma meiota de cachaça, em copo americano. “Que aventura!”, bradou o coronel.
No quartel, Gil, alegre, comentava na roda de amigos: “O coroné é danado, pegava a bussa, olhava e dizia: Gil, quinze graus a bombordo, e eu acertava o rumo. O bicho é bom de navegação. Foi arretado! Muito legal mesmo!”

Os oficiais estavam reunidos, em conversa informal, no gabinete do comandante, antes de se iniciar o despacho. Ao cumprimentá-lo, o tenente Pereira acrescenta:
– Coronel, Gil nos contou que o senhor parecia um velho lobo do mar; só usou uma bússola, para chegar a Noronha.

Ele solta uma risada estridente, passa a mão direita no bigode e diz:
– Que bússola coisa nenhuma... era tudo embuste, eu me orientava era pelos aviões que passavam na rota de Noronha e aí acertava o rumo.
Anos mais tarde, o coronel fora transferido para o Rio de Janeiro; todavia, a amizade permaneceu.

O sargento Nazário morava no Ipsep, e, naquela época, havia muriçocas às pampas. De forma que, certa vez, Nazário, incomodado com as picadas das muriçocas, aplicou muito inseticida no quarto e, como de costume, foi dormir; porém, não acordou mais. O coronel assim que soube da tragédia, veio, imediatamente, para o Recife.


Do mesmo modo, na ocasião em que Gil sofreu um acidente automobilístico e perdeu a perna esquerda; o coronel não teve dúvida, veio do Rio de Janeiro o mais depressa que pôde e prestou toda assistência ao amigo, providenciado-lhe, inclusive, uma prótese sofisticada, última palavra da ortopedia.  Gil, no entanto, não usufruiu o benefício por muito tempo – apressara-se para ir logo se encontrar com Nazário.


Os pensamentos vagavam no passado – iam e vinham –, sentia saudades... de certa forma, pensando, revivia essa e outras aventuras. Agora, há anos na reserva, o coronel Trigueiro, sentado ao lado de uma mulata, aguardava, ansioso, ser chamado pelo oncologista.

Quando finalmente entrou no consultório, o médico pegou os exames, verificou-os, cuidadosamente; vez por outra, franzia a testa, riscava alguma coisa, depois lhe disse:

– É, coronel! O tratamento do câncer foi adequado, não há mais nada no seu intestino. O senhor está curado; porém, mantenha a dieta. Nada de bebidas alcoólicas nos próximos seis meses.

Ele saiu dali contente, teria ainda muito o que viver; olhou para a mulata, como querendo lhe comunicar que estava tudo bem, e sentiu-se renovado, pronto para fazer mais uma de suas peripécias.


Ednaldo Bezerra é escritor

Um comentário:

  1. Parabéns Iêdo Ferraz, você Carlos Ferraz fazem um bonito trabalho de divulgação da nosso município

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