Triunfo é uma cidade pitoresca localizada no coração da 'terra dos vaqueiros' do Brasil, o sertão. Entre as paisagens de savana desta região semi-árida, é um oásis com temperaturas mais baixas e vegetação exuberante.
Além de seu clima refrescante, Triunfo é conhecida por seus caretas - uma tradição mantida viva por mais de cem anos. Todos os anos durante o carnaval, dezenas de moradores da cidade - vestidos e equipados com máscaras artesanais e um relho - saem para desfilar anonimamente pelas ruas. Estalando seus relhos com uma maestria habilidosa, eles produzem pipocos estrondosos enquanto se dirigem para a praça central.
O nascimento do careta
Existem algumas narrativas diferentes de como essa tradição surgiu. Uma delas conta que, no início do século XX, um certo Mateus foi expulso de uma sociedade exclusiva devido a seus hábitos de bebida. Ele não estava mais autorizado a participar do reisado (uma dança religiosa para comemorar o nascimento do bebê Jesus), pois somente os membros da sociedade podiam fazê-lo. Ele decidiu ir para as ruas de qualquer maneira, disfarçado em uma máscara e equipado com um chicote e campainhas para fazer o máximo de barulho possível. Algumas semanas depois, durante o carnaval, alguns habitantes da cidade decidiram se vestir como Mateus e foi assim que a tradição começou.
A arte de ser anônimo
A oportunidade de ser anônimo em uma cidade tão pequena é o que atrai muita gente para incorporar a misteriosa careta. Eu posso imaginar que deve ser muito libertador repentinamente ser "invisível" em uma cidade onde todos conhecem todos.
“A graça esta nessa na verdade [ser anônimo]. Eu gosto de ver o olhar - o olhar da pessoa tentando de descobrir ali quem é,” diz Nino com seus olhos brilhando. Ele acrescenta, “Qualquer detalhe, deixa uma mão descoberta, um detalhe assim, um andar também [pode se revelar] - então se tem que disfarçar bem tudo até a voz.” A cobertura de segurança fornecida pelo anonimato também pode ser fortalecedora, como Joaneide divulga, “Todo o mundo tem alguma coisa para revelar mas em geral ninguém quer mostrar cara, né? Todo ser humano tem algum segredo e o careta tem essa oportunidade de revelar sem se revelar.” Joaneide honra esse anonimato de todo o coração - nem mesmo suas filhas sabem quem ela é quando sai para desfilar.
Antonio Geraldo (34 anos) é artista, professor de capoeira, músico e artesão. Ele participa da tradição caretas desde os dez anos de idade.
“As pessoas tratam a você assim independente de... não tem preconceitos e estas coisas. As pessoas não sabem quem é você, quem está lá debaixo. É simplesmente um careta. Por isso a gente gosta muito.” - Antonio Geraldo
Abraão Alves de Almeida (ou Nino), 48 anos, constroí e desconstrói obras de arte pela cidade. Ele se veste tanto no careta moderna (por motivos de publicidade) quanto no careta tradicional (que para ele é mais agradável, pois pode permanecer anônimo, que é toda a diversão da tradição).
“É uma maneira de você se expressar sem se mostrar , revelar sem se revelar.” - Joaneide Alencar de Araújo
Anos atrás, vários grupos de caretas chamados trecas costumavam lutar entre si quando cruzavam o caminho durante o carnaval. O objetivo era desmascarar seu oponente usando sua habilidade com o relho. No entanto, como isso às vezes resultaria em ferimentos, a polícia proibiu todos os caretas de desfilarem com relhos. “A gente saio de pau e foi muito sem graça” diz Nino. Os moradores da cidade recorreram uma resistência e prometeram não usar o relho para lutar entre si, conseguindo resgatar o elemento essencial dessa tradição única.
O relho não apenas confere ao desfile das caretas uma beleza teatral, mas também desempenha um papel profundo para alguns. “É uma forma muito bem de você conseguir auto-estima. Você só tenta brincar com eles, se você tem o coragem de ser maior que o seu medo, de superar seu medo, porque ou você bate em ele ou ele bate em você," diz Joaneide. “A partir do momento que você pega o relho, que você consegue dar o primeiro pipoco é libertador. ”
“Antigamente , as pessoas saíam com o que tinham. Agora tornou-se mais comercial, as pessoas querem tirar uma foto e ser admiradas.” - Jerailton Barbosa do Céu
Quebrando barreiras sociais?
“Carnaval é festa do povão onde se mistura os fidalgos de os plebeus,” diz Nino. “Você pode se vestir como quiser. Tem a liberdade de expressão, de alegria. Isso é o careta que eu conheço,” diz Teco. No entanto, ele continua explicando, “O número de caretas diminuiu muito desde o início do bonito careta.” “Tornou-se mais comercial, as pessoas querem tirar uma foto e ser admiradas", observa Jerailton, que costumava participar da tradição das caretas desde os dois anos de idade. Hoje, no entanto, ele e muitos outros moradores da cidade são excluídos da diversão - eles não têm dinheiro para gastar em roupas extravagantes e ficam com vergonha de desfilar com máscaras feitas de papelão. A careta tradicional, rústica e inclusiva deu lugar a uma careta moderna, bonita e exclusiva.
Imagens: @sonumsumaria
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