quinta-feira, 7 de março de 2013

MULHER - GRITOS QUE FIZERAM HISTÓRIA

Sem medo de parecerem ridículas, as mulheres tomaram a palavra e puseram a igualdade entre os sexos na agenda do poder...


Paul! John! George! Ringo!
Fenômenos como os Beatles só explodiram porque garotas capazes de arrancar os cabelos de entusiasmo, sem medo do que os outros iriam pensar, lotaram auditórios e estádios

Num passado não muito remoto, quando uma mulher tinha profissão ou emprego, dizia-se que trabalhava fora. O trabalho dos homens dispensava explicação – só podia mesmo ser fora. Essa diferença nem tão sutil traduz à perfeição o velho modelo da existência feminina: a casa era a regra, o mundo a exceção e a atividade doméstica, leve ou pesada, não era reconhecida como ocupação.

Agora que a mulher representa metade da mão de obra do mundo ocidental (no Brasil, acima 42,4%), e que a avalanche de informação por vezes obstrui a visão do caminho percorrido, é bom lembrar expressões que envelheceram e saíram de cartaz, ou que entraram em cena, rompendo silêncios seculares. Elas nos devolvem imediatamente a consciência do avanço.

"Pai ou responsável", lia-se, sob a linha destinada à assinatura, abaixo das notas, nas cadernetas escolares que as crianças levavam para casa todo mês. Se o pai não estivesse, ou não pudesse assinar, o.k., a assinatura da mãe servia. Até a Constituição de 1988 e a reforma do Código Civil, em 2002, a estrutura familiar era uma escadinha cujo degrau mais alto era ocupado pelo marido. 

Entre outros direitos, ele podia anular o casamento se a noiva não fosse virgem e deserdar a filha se ela não fosse "honesta". Hoje, ao menos teoricamente, marido e mulher figuram lado a lado (cerca de 35% das famílias são chefiadas por uma mulher).Já não se fala em pátrio poder, porque ele não existe mais. Foi substituído pela autoridade familiar. Já era tempo.

O sexo feminino, no sentido anatômico do termo, só tinha existência legítima na lousa, desenhado pelo professor de biologia, e se chamava "aparelho reprodutor feminino". O resto era silêncio. Em nome do recato, no começo dos anos 1960 ainda não se falava "menstruação", e sim "aqueles dias", e os anúncios dos primeiros absorventes higiênicos descartáveis eram tão discretos que hoje soam misteriosos para consumidoras habituadas ao explícito. O corpo da mulher era um tema secreto: a palavra clitóris, pensavam os mais bem informados, era proparoxítona – e palavrão.

Direitos da mulher eram assunto espinhoso. Ao estrear, em 1963, na revista CLAUDIA, a coluna A Arte de Ser Mulher, em que defendeu a pílula, o divórcio e a inserção no mercado de trabalho, a jornalista e psicóloga Carmen da Silva foi ameaçada por maridos furiosos.

Quase dez anos depois de a edição de REALIDADE ter sido recolhida das bancas, em 1967, por estampar a fotografia de um parto e a informação de que uma em cada quatro brasileiras já provocara um aborto, um número do jornal Movimento que não trazia uma palavra sobre sexo (nem sobre política) foi proibido na íntegra – seu tema, mulher e trabalho, foi considerado provocador. 

Mas tudo isso ficou para trás. Tensão pré-menstrual, quem diria, virou nome de revista; vagina foi parar no título de uma peça de teatro, por sinal, comédia (Os Monólogos da Vagina); e, duas décadas depois de o quadro "Comportamento sexual" ter sido tirado do ar porque a sexóloga Marta Suplicy falava sobre orgasmo, uma senhora de aparência austera, a enfermeira Sue Johanson, exibe na televisão vibradores fosforescentes e piercings genitais. Provoca, no máximo, espanto.

Entre o silêncio do passado e a nova polifonia, entre as esposas obedientes, a legião de executivas e uma eleição com duas candidatas à Presidência da República, existe um histórico de rubores, proibições e censuras – e uma longa batalha. A chegada da mulher ao mercado de trabalho e o impacto cultural desse acontecimento são saudados como a maior transformação social desde a Revolução Francesa, mas por vezes são apresentados como o bônus acidental de uma evolução da economia. 

Pela maneira como é descrito hoje, o feminismo parece um movimento longínquo, personificado por radicais que queimavam sutiãs e combatiam, além dos homens, irrelevâncias como o batom e a depilação. Na realidade, trata-se de uma ação continuada, competente e internacional, que soube pôr no coração do poder questões cotidianas e urgentes para milhares de indivíduos que permaneceriam invisíveis sem essa pressão. 

Em 1982, o jornal Mulherio, patrocinado pela Fundação Ford, dava conta da existência de noventa grupos de mulheres no Brasil. Eles utilizavam a experiência e, eventualmente, os recursos de fundações, universidades e organismos internacionais. Sua missão ia desde socorrer vítimas de violência doméstica até prestar atendimento médico, informar sobre métodos contraceptivos, oferecer assistência jurídica e melhorar a autoestima. A mobilização, expressa em slogans como "quem ama não mata", foi fundamental para, entre outros benefícios, impedir a impunidade em crimes contra mulheres. 

O escritor Paulo Coelho foi o primeiro a manifestar admiração por essa capacidade. Acusado, num de seus muitos debates com a crítica literária, ainda na década de 90, de só ter se tornado um campeão de vendas graças à preferência do público feminino, aí entendido como consumidor de bobagens, ele celebrou. Se não fosse a liberdade das mulheres de gostar daquilo que o establishment desaprova, não haveria cultura pop, argumentou Coelho. Fenômenos como Elvis Presley, os Beatles e a Jovem Guarda só explodiram porque garotas capazes de gritar e arrancar os cabelos de entusiasmo, sem medo do que os outros iriam pensar, lotaram auditórios e estádios.


Alguns fantasmas são persistentes. O da feia aterroriza as jovens que não têm o peso certo, o peito certo, a pele, os lábios, o nariz... O da desonesta é tão ameaçador que até hoje vítimas de assédio sexual podem se calar, por medo de ser acusadas de encorajá-lo. Sobretudo se o assediador for um médico de prestígio. Ainda falta muito para a igualdade, mas, vez por outra, algum acontecimento novo dá notícias animadoras. Ainda existe machismo, mas, pelo menos nessa escala, a sociedade tem anticorpos para combatê-lo. E pensar que era apenas um movimento dos quadris... segundo Millôr Fernandes
 

Fonte: Por Marta Góes - Edição Especial/ Mulher/ Revista VEJA











Um comentário:

  1. Gente!!! Mulheres que contexto maravilhoso...O corre-corre do dia a dia, o terceiro expediente das mulheres e toda suas obrigações feminina não nos permite nos apropriar e refletir sobre todo esse historico e a evolução do mundo com a participação deste ser humano, sensivel,apaixonada, competentes e guerreiras que são nossas mulheres. Obrigado ao admiravel blog, que com sua versatilidade nos chamou atenção para esse tema atual e brilhante da jornalista Marta Góes.Legal demais!!!

    ResponderExcluir

Caro leitor, seja educado em seu comentário. O Blog Opinião reserva-se o direito de não publicar comentários de conteúdo difamatório e ofensivo, como também os que contenham palavras de baixo calão. Solicitamos a gentileza de colocarem o nome e sobrenome mesmo quando escolherem a opção anônimo. Pedimos respeito pela opinião alheia, mesmo que não concordemos com tudo que se diz.
Agradecemos a sua participação!

NOSSOS LEITORES PELO MUNDO!