Sem medo de parecerem ridículas, as mulheres tomaram a palavra e puseram a igualdade entre os sexos na agenda do poder...
Paul!
John! George! Ringo! Fenômenos como os Beatles só explodiram porque garotas capazes de arrancar os cabelos de entusiasmo, sem medo do que os outros iriam pensar, lotaram auditórios e estádios |
Num passado não muito remoto, quando uma mulher tinha profissão ou emprego, dizia-se que trabalhava fora. O trabalho dos homens dispensava explicação – só podia mesmo ser fora. Essa diferença nem tão sutil traduz à perfeição o velho modelo da existência feminina: a casa era a regra, o mundo a exceção e a atividade doméstica, leve ou pesada, não era reconhecida como ocupação.
Agora que a mulher representa metade da mão de
obra do mundo ocidental (no Brasil, acima 42,4%), e que a avalanche de informação
por vezes obstrui a visão do caminho percorrido, é bom lembrar expressões
que envelheceram e saíram de cartaz, ou que entraram em cena, rompendo
silêncios seculares. Elas nos devolvem imediatamente a consciência
do avanço.
"Pai ou responsável", lia-se, sob a linha destinada à assinatura, abaixo das notas, nas cadernetas escolares que as crianças levavam para casa todo mês. Se o pai não estivesse, ou não pudesse assinar, o.k., a assinatura da mãe servia. Até a Constituição de 1988 e a reforma do Código Civil, em 2002, a estrutura familiar era uma escadinha cujo degrau mais alto era ocupado pelo marido.
Entre outros direitos, ele podia anular o casamento se a noiva não fosse virgem e deserdar a filha se ela não fosse "honesta". Hoje, ao menos teoricamente, marido e mulher figuram lado a lado (cerca de 35% das famílias são chefiadas por uma mulher).Já não se fala em pátrio poder, porque ele não existe mais. Foi substituído pela autoridade familiar. Já era tempo.
O sexo feminino, no sentido
anatômico do termo, só tinha existência legítima na
lousa, desenhado pelo professor de biologia, e se chamava "aparelho reprodutor
feminino". O resto era silêncio. Em nome do recato, no começo
dos anos 1960 ainda não se falava "menstruação",
e sim "aqueles dias", e os anúncios dos primeiros absorventes
higiênicos descartáveis eram tão discretos que hoje soam
misteriosos para consumidoras habituadas ao explícito. O corpo da
mulher era um tema secreto: a palavra clitóris, pensavam os mais bem
informados, era proparoxítona – e palavrão.
Direitos da mulher eram assunto espinhoso. Ao estrear, em 1963, na revista CLAUDIA, a coluna A Arte de Ser Mulher, em que defendeu a pílula, o divórcio e a inserção no mercado de trabalho, a jornalista e psicóloga Carmen da Silva foi ameaçada por maridos furiosos.
Quase dez anos depois de a edição de REALIDADE ter sido recolhida das bancas, em 1967, por estampar a fotografia de um parto e a informação de que uma em cada quatro brasileiras já provocara um aborto, um número do jornal Movimento que não trazia uma palavra sobre sexo (nem sobre política) foi proibido na íntegra – seu tema, mulher e trabalho, foi considerado provocador.
Mas tudo isso ficou para trás. Tensão pré-menstrual, quem diria, virou nome de revista; vagina foi parar no título de uma peça de teatro, por sinal, comédia (Os Monólogos da Vagina); e, duas décadas depois de o quadro "Comportamento sexual" ter sido tirado do ar porque a sexóloga Marta Suplicy falava sobre orgasmo, uma senhora de aparência austera, a enfermeira Sue Johanson, exibe na televisão vibradores fosforescentes e piercings genitais. Provoca, no máximo, espanto.
Entre o silêncio do passado
e a nova polifonia, entre as esposas obedientes, a legião de executivas
e uma eleição com duas candidatas à Presidência da
República, existe um histórico de rubores, proibições
e censuras – e uma longa batalha. A chegada da mulher ao mercado de trabalho
e o impacto cultural desse acontecimento são saudados como a maior transformação
social desde a Revolução Francesa, mas por vezes são apresentados
como o bônus acidental de uma evolução da economia.
Pela maneira como é descrito hoje, o feminismo parece um movimento longínquo, personificado por radicais que queimavam sutiãs e combatiam, além dos homens, irrelevâncias como o batom e a depilação. Na realidade, trata-se de uma ação continuada, competente e internacional, que soube pôr no coração do poder questões cotidianas e urgentes para milhares de indivíduos que permaneceriam invisíveis sem essa pressão.
Pela maneira como é descrito hoje, o feminismo parece um movimento longínquo, personificado por radicais que queimavam sutiãs e combatiam, além dos homens, irrelevâncias como o batom e a depilação. Na realidade, trata-se de uma ação continuada, competente e internacional, que soube pôr no coração do poder questões cotidianas e urgentes para milhares de indivíduos que permaneceriam invisíveis sem essa pressão.
Em
1982, o jornal Mulherio, patrocinado pela Fundação Ford,
dava conta da existência de noventa grupos de mulheres no Brasil. Eles utilizavam
a experiência e, eventualmente, os recursos de fundações,
universidades e organismos internacionais. Sua missão ia desde socorrer
vítimas de violência doméstica até prestar atendimento
médico, informar sobre métodos contraceptivos, oferecer assistência
jurídica e melhorar a autoestima. A mobilização, expressa
em slogans como "quem ama não mata", foi fundamental para, entre
outros benefícios, impedir a impunidade em crimes contra mulheres.
O escritor Paulo Coelho foi o primeiro a manifestar admiração por essa capacidade. Acusado, num de seus muitos debates com a crítica literária, ainda na década de 90, de só ter se tornado um campeão de vendas graças à preferência do público feminino, aí entendido como consumidor de bobagens, ele celebrou. Se não fosse a liberdade das mulheres de gostar daquilo que o establishment desaprova, não haveria cultura pop, argumentou Coelho. Fenômenos como Elvis Presley, os Beatles e a Jovem Guarda só explodiram porque garotas capazes de gritar e arrancar os cabelos de entusiasmo, sem medo do que os outros iriam pensar, lotaram auditórios e estádios.
Alguns
fantasmas são persistentes. O da feia aterroriza as jovens que não
têm o peso certo, o peito certo, a pele, os lábios, o nariz... O da
desonesta é tão ameaçador que até hoje vítimas de assédio
sexual podem se calar, por medo de ser acusadas de encorajá-lo.
Sobretudo se o assediador for um médico de prestígio. Ainda falta
muito para a igualdade, mas, vez por outra, algum acontecimento novo
dá notícias animadoras. Ainda existe machismo, mas, pelo menos nessa escala, a sociedade tem
anticorpos para combatê-lo. E pensar que era apenas um movimento dos
quadris... segundo Millôr Fernandes
Fonte: Por Marta
Góes - Edição Especial/ Mulher/ Revista VEJA
Gente!!! Mulheres que contexto maravilhoso...O corre-corre do dia a dia, o terceiro expediente das mulheres e toda suas obrigações feminina não nos permite nos apropriar e refletir sobre todo esse historico e a evolução do mundo com a participação deste ser humano, sensivel,apaixonada, competentes e guerreiras que são nossas mulheres. Obrigado ao admiravel blog, que com sua versatilidade nos chamou atenção para esse tema atual e brilhante da jornalista Marta Góes.Legal demais!!!
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