sábado, 31 de agosto de 2013

CONTO: "ARQUIMEDES" - POR EDNALDO BEZERRA



– Tenente Arquimedes!

Quando criança, não gostava desse nome, achava-o inadequado para um garoto; parecia nome de velho.

Que sono! O relógio de pulso marcava dez para as duas da manhã, tinha um pouco de pressa, acendeu a luz, passou água no rosto; o seu quarto de hora estava próximo, iria render o companheiro às duas em ponto. Mal conseguia ficar em pé, pois o caturro e o balanço do navio eram intensos. Olhou pela vigia do camarote, madrugada escura, muita chuva, o mar bastante agitado.
Ao chegar no passadiço vê o comandante e o tenente Alvarez.
– Pronto! Arquimedes chegou, você pode ir descansar, Alvarez. Vou permanecer no comando até o tempo melhorar. Não consigo dormir mesmo –, disse o comandante.
– Safo! Qualquer coisa, estou no camarote. Ok? – respondeu o tenente Alvarez.
– Arquimedes, fique anotando as posições na carta, plote de quinze em quinze minutos, siga a derrota traçada e faça as correções pertinentes. Safo?
 – Afirmativo, comandante.
Estava no litoral catarinense, próximo ao cabo de Santa Marta, ventos fortes, tempestade; por isso, o mar tão violento. Ele verifica o GPS, anota a nova posição na carta náutica, verifica o desvio do rumo, e diz:
– Comandante, quinze graus a bombordo.
– Timoneiro, quinze graus a bombordo – brada o comandante.
– Quinze graus a bombordo –, confirma a execução da manobra o timoneiro.
Nesse instante, sente-se um caturro bastante acentuado, e o homem das máquinas, Sargento Alberto, diz:
 – Comandante, velocidade de dezessete nós.
 – Reduzir máquina –, interfere o comandante.  
 – Máquina reduzida. Velocidade agora 13 nós.
 – Manter veloc.
 Passados alguns minutos, o balanço diminui; era como se o navio fosse um ser vivo e, por si só, executasse as manobras com perfeição – o velho Custódio de Mello parecia mesmo ter alma. O comandante pede para o tenente Arquimedes a posição atual do navio – o GPS marcava 28° 54′ S e 47° 37′ W –, ele pega o compasso para fazer o registro na carta, olha para o lado e vê, fazendo peso em cima de um livro, uma maquete de ferro de uma fragata americana. Fecha os olhos, e uma lembrança lhe vem, verve da infância... tinha completado treze anos.
– Você gostou do presente que lhe dei?
– Sim. Mas, vovô, por que ele afunda?
– Ora! É porque é pesado, é um navio de ferro. Você não o achou bonito? É um enfeite para o seu quarto.
 – Vô, o navio de verdade é de ferro e flutua.
 – É por causa do empuxo.
 – Empuxo?
 – Você deve aprender isso na escola daqui a pouco; mas, para matar a sua curiosidade, vou logo lhe contar a história de seu xará, um grego que viveu no século três antes de Cristo, em Siracusa, na Sicília, então província da Grécia. Dizem que Arquimedes estava tomando banho em uma banheira, nas termas públicas da cidade, quando percebeu que seu rechonchudo corpo flutuava; de repente, levantou-se nu, e saiu gritando pelas ruas “Heureca! Heureca!” Havia descoberto a lei que hoje leva o seu nome. Ele verificou que uma força – o empuxo – impulsionava-o para cima. Assim, concluiu que todo corpo mergulhado num fluído recebe uma força de direção vertical de sentido de baixo para cima cuja intensidade corresponde ao peso do volume de líquido deslocado.
 – Mas, vô, isso não explica direito o porquê de meu brinquedo afundar na piscina. Se o navio de verdade flutua, era para o meu também flutuar, não é mesmo?
 – Negativo. O seu é todo de ferro, é compacto,  não há espaços vazios preenchidos com ar, como ocorre nos navios de verdade. Veja bem, uma embarcação no mar desloca um grande volume de água, isto faz com que seu peso seja equilibrado pelo empuxo, ou seja, como ela tem muitos espaços vazios, a sua densidade média termina sendo menor do que a da água.
– Densidade? Já ouvi o professor de ciências falar de algo assim. Ele disse que a gasolina é menos densa do que a água. Mas não sei bem o que é.
– É simples, vou lhe explicar. Densidade é a razão entre massa e volume. Um corpo é mais denso se, tendo a mesma massa, ocupa menor volume. Um litro de água pesa um quilograma; logo, sua densidade é 1g/cm³. Cada material tem diferentes densidades; por exemplo, a do ferro é quase oito vezes maior do que a da água. Para você entender melhor, cabe mais uma historinha do velho matemático grego.

Certa vez, o rei de Siracusa mandou um ourives fazer uma coroa de ouro maciço. Quando a recebeu, desconfiado, pediu para Arquimedes verificar se ela era realmente de ouro. O sábio ficou pensando, pensando... até que teve uma ideia. Pediu para o rei duas barras, uma de ouro e a outra de prata, ambas com o mesmo peso da coroa. Depois, mergulhou o ouro num recipiente cheio de água e mediu o volume da água que havia derramado; fez o mesmo com a prata e com a coroa. Terminada esta tarefa, comparou os volumes entornados. Ele percebeu que o ouro havia entornado a menor quantidade de água; a prata, a maior; e a coroa situou-se num nível intermediário. Portanto, a coroa não era de ouro puro, pois tinha uma densidade diferente. O rei fora enganado. 
 
– Puxa vida! Essas coisas são interessantes. Vovô, o senhor sabe qual é a densidade do ouro?
– Se não estou enganado, é de 19,3 g/cm³
– Quer dizer que se eu tiver uma garrafa de um litro, cheia de ouro, ela vai pesar dezenove quilos e trezentos gramas?  
 – É isso mesmo, Arquimedes. Você entendeu tudo direitinho.
 – Não acredito! Dezenove quilos... Vovô, quando eu crescer vou viver no mar.
Depois que o avô lhe contou essas histórias, o menino aceitou de bom grado ser chamado de Arquimedes.  Sentiu até um pouco de orgulho. O nome, de certo modo,  lhe influenciou  o destino.
– Tenente Arquimedes!
– Opa! O quê? – respondeu, como que acordando de um sonho.
– Tá dormindo boy? Qual é a posição no momento? – resmungou o comandante.
– Ah, sim! 28° 54′ de latitude sul e 47° 37′ de longitude  oeste. Está com menos de cinco graus de desvio da derrota, a bombordo.
 – Safo! Timoneiro, manter o rumo.
Trinta e cinco anos se passaram; Arquimedes, com o rosto ligeiramente enrugado, barbas grisalhas, olhava o mar, sentado, saboreando um coco verde, na orla de São José da Coroa Grande. Naquela manhã, o vento balançava as folhas dos coqueirais, as ondas quebravam suavemente na praia; o sol brilhava num céu limpo, em tudo havia um colorido intenso que lhe dava uma sensação de alegria, de fortaleza, de vivacidade. No entanto, ele sentia que a terra era grande demais para se viver com tranquilidade, preferia um mundo menor – do tamanho de um navio. Mundo pequeno, mas que percorria todos os continentes.
 
 

Ednaldo Bezerra é estudante de Licenciatura em Letras da UFPE

4 comentários:

  1. Jaqueline Ferreira Barros31 de agosto de 2013 às 18:18

    Ednaldo Bezerra receba meus parabéns por mais uma interessante postagem neste dinâmico e conceituado blog.Parabéns!!

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  2. Muito bom o conto de Tenente Arquimedes...

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  3. Antonio Fernando Medeiros3 de setembro de 2013 às 08:36

    Esse cara é tampa de crush, quem é? Tenho acompanhado suas estórias...kkk

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  4. Marcelo Corsino Ferreira3 de setembro de 2013 às 08:56

    Excelente texto! Viagens no tempo! Custódio de Melo. A busca do conhecimento. Sabedoria. Parabéns! Bela composição! Um grande abraço do amigo.

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