Nesse
feriado de carnaval, viajei ao Chile. Sendo verão, pensei que estivesse
menos frio. O sol brilhou; o céu de um azul intenso contrastava com as
montanhas cobertas de neve. Longe, algumas lhamas bebiam água num lago
acinzentado. Aproveitei, Doroteu, para ir à aldeia de um povo indígena
que vive no sul daquele país e que eu visitara na juventude, em 1986.
Pois bem, de lá para cá a situação mudou bastante. Quase não reconheci o
que vi. Espantei-me porque o Marxismo e Gramscismo também já chegaram
àquela isolada região. Como pode?
Naturalmente,
os velhos caciques não estão mais no comando, porém, o incrível é que
os seus descendentes não lhes sucederam (como seria de se esperar).
Agora quem manda é um grupo de homens brancos; eles têm um jeitão de
mafiosos, sabe? Vivem numa opulência danada. Mas, ao que tudo indica, o
povo está satisfeito, pois é ignorante, se contenta com pouco e é
facilmente iludido com as falácias que lhe são ditas.
A
aldeia está dividida; a paz é aparente. Fiquei com a impressão de que o
caldeirão um dia vai estourar. Os costumes, a família, os valores
mudaram sobremaneira. Os homens encarregados da defesa da aldeia têm
novos caciques. Os antigos chefes estão sendo perseguidos. É que há
algum tempo eles venceram uma guerra contra os brancos e, embora tenha
havido o perdão mútuo, os novos governantes, descendentes dos brancos,
desejam se vingar. Ou melhor, querem passar para a nova geração uma
outra história.
Coitados
dos velhos caciques! Soube que se rebelaram e criticaram integrantes do
poder. Agora, talvez sejam punidos. Depois de tanta dedicação, passarem
por isso no crepúsculo da vida... Quem sabe não se sintam traídos?! É
verdade que muitos dos atuais guerreiros também não estão satisfeitos
com a forma como vêm sendo tratados pelos governantes. Mas os donos do
poder não se incomodam com isso. Sabem que os guerreiros são
disciplinados e até, de certo modo, subservientes. E, apesar de em seus
rituais cantarem uma canção enaltecendo a coragem, o sentimento
nativista, as glórias do passado, eles, aparentemente, não fazem nada
para dar de volta o controle da nação aos índios.
Ora,
amigo Doroteu, sejamos realistas, a tribo já foi ultrajada há muito
tempo! Resta, então, aos brancos tripudiarem, desmoralizarem os
guerreiros, até que as gerações futuras estejam com as mentes
corrompidas. Estão certos? Se não há nenhuma reação, podem fazer o que
quiser, sentir-se bem à vontade... Contudo, cabe alertar que é sempre
arriscadíssimo cutucar a onça com vara curta; e os guerreiros não são
tolos. As lendas indígenas mostram que as atitudes deles são
estratégicas, imprevisíveis, certeiras. Portanto, se enganam os donos do
poder, não é verdade?
É,
meu bom Doroteu, ouvi dizer que um velho guerreiro canoeiro inutilmente
convocou os índios para, no início do outono, se manifestarem contra os
homens brancos. Digo inutilmente, meu amigo, porque, a julgar pela
ignorância do povo em relação aos acontecimentos hodiernos e à
inoperância dos novos caciques, a tribo continuará sendo espoliada.
Quero ver, Doroteu, quando eu for por lá novamente, daqui a uns dez
anos. O que será que encontrarei? Não há como prever, no entanto, pelo andar da carruagem até aqui, não vou me admirar se só existirem homens brancos...
Ednaldo Bezerra é estudante de Licenciatura em Letras da UFPE

Respeitar o ser humano independente de raça, cor, sexo, é obrigação de todos os povos.
ResponderExcluirAté que enfim,alguém de coragem que literalmente matou a cobra e mostrou o pau. Não é a primeira vez que isto acontece. Falta é pessoas com coragem para denunciar. Contra fatos não há argumentos.Os defensores do prefeito gaguejam, mas não conseguem explicar as coisas erradas. E também possa ser que o Prefeito nem saiba.Pode ser ordem da sra. Nazaré. O fato é que alguns são mais privilegiados do que outros.Parabéns sra. Inês Carvalho. Triunfo precisa de pessoas como a sra.
ResponderExcluirAdmiro muito esse senhor e suas postagens, tudo que escreve tem sentido. Parabéns!
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