terça-feira, 23 de janeiro de 2018

POSSE DO ACADÊMICO ÍGOR CARDOSO NA CADEIRA DE Nº. 31 DA ACADEMIA DE LETRAS DE GARANHUNS,






DISCURSO DE POSSE DO ACADÊMICO ÍGOR CARDOSO NA CADEIRA DE Nº. 31 DA ACADEMIA DE LETRAS DE GARANHUNS, QUE TEM POR PATRONO MÁRIO MÁRCIO DE ALMEIDA SANTOS
Boa noite a todos!
Gostaria de saudar a Academia de Letras de Garanhuns, na pessoa de nosso querido presidente, dr. Luís Afonso Jardim; de saudar também a mesa, na pessoa de dra. Margarida Cantarelli, aqui representando a Academia Pernambucana de Letras; e de me dirigir a vocês, meus familiares, amigos e conterrâneos.
O grande escritor russo Liev Tolstói tem uma frase da qual eu gosto muito. Ele diz: “Se queres ser universal, começa por pintar tua aldeia”.
Eu, confrade Eduardo Miranda, sou nascido nesta nossa “aldeia”, mas confesso que sinto um pouco de inveja – uma inveja boa! – do amigo, e de vocês todos, porque, apesar de aqui nascido, não tive o privilégio de, por exemplo, estudar no Diocesano ou no Santa Sofia; de passar aqui todas as 24h do dia, como eu gostaria. Muito cedo, saí; mas, independentemente disso, sempre voltei.
Voltava para a casa de vovó Terezinha Cardoso, que estava aqui agora há pouco, mas, devido a seus 92 anos, não pôde ficar. Meu “porto seguro” está logo ali, na Av. Caruaru, uma via acostumada a testemunhar muitas idas e vindas. Era por ela que passava o trem, e a rodoviária ainda se acha por lá – aliás, as duas rodoviárias, a antiga e a nova. Minha vida foi assim: indo e vindo, com meus olhos e meu coração em Garanhuns; minhas atenções e meu espírito sempre aqui.
No trajeto da casa de vovó para a padaria, para o supermercado, para o centro, eu sempre passava defronte ao edifício de nossa Academia, que me chamava muita atenção. Gosto muito de arquitetura – inclusive, cheguei a começar o curso na universidade, antes de me transferir para o Direito. Sempre que passávamos pelo belo edifício, eu perguntava a meu pai: “Pai, o que é isso?” E ele respondia: “Ah, esta aqui é a Academia de Letras de Garanhuns!”.
Eu era pequeno e, confesso, já paquerava a Academia. É bem verdade que imaginava que talvez demorasse um pouco mais para, um dia, tentar acesso a ela, mas, àquela altura, ainda uma criança, já me interessava muito pela cidade, por sua história. Residindo em outros lugares, porém sempre regressando a Garanhuns, muito cedo, comecei a escrever, e tomei gosto pelo ofício.
Ainda há pouco, comentava com o confrade e primo Cláudio Gonçalves que nós somos das “letras históricas”. Sinto-me muito bem acompanhado aqui, na Academia – apesar da “assimetria”, confrade Marcos Galindo; concordo com o amigo que tomar posse com Luzilá Gonçalves é, realmente, uma responsabilidade a mais… Mas este nosso nicho das “letras históricas” está muito bem representado na Academia. É uma honra estar ao lado aqui de vocês, Cláudio e Marcos, de dr. Luís Jardim, de professor Manoel Neto, que acaba de fazer essa excelente exposição sobre a fundação de nossa instituição.
Àquela altura, quando começava a pesquisar sobre Garanhuns, não imaginava ainda que meus vínculos com a Academia, antes mesmo de nela ingressar, eram tão profundos. Tenho memória de tio Humberto de Moraes, meu tio-avô, em eventos familiares na casa de vovó, lá, na Av. Caruaru. Gostaria muito de havê-lo conhecido mais, conversado mais com ele.
Depois, ainda pesquisando sobre a história da cidade, foi que me dei conta da decisiva participação não só dele, como também de tio Raimundo, o pai dele, na viabilização e na consolidação dessa, hoje, quadragenária iniciativa. Sim, a Academia de Letras de Garanhuns está completando, na transição do ano passado para este, 40 anos. Ela foi fundada às vésperas do centenário da elevação de Garanhuns à categoria de cidade, aquela grande festa, muito merecida, que foi realizada em nossa terra.
Ao descobrir sobre essa participação de tios Raimundo e Humberto no processo de fundação, instalação e consolidação da Academia, desenvolvi uma espécie de ligação espiritual com a instituição. Passei a me sentir parte da proposta, a guardar, desde antes mesmo de ingressar, uma espécie de compromisso espiritual e familiar para com ela. Como afirmei há pouco, já a paquerava de longe, sonhava em, um dia, poder fazer parte de seus quadros. Para mim, portanto, é uma imensa honra estar aqui, hoje à noite, tendo a oportunidade de realizar esse sonho e de honrar o legado deles, a quem me cumpria o dever de fazer menção expressa nesta cerimônia.
Minha cadeira patronal é a do grande escritor pernambucano Mário Márcio de Almeida Santos. Ele não nasceu em Garanhuns, mas se sentia garanhuense; chegou aqui por volta dos dois anos de idade e viveu sua primeira infância aqui. Boa parte da obra de Mário Márcio ou é inspirada ou está ambientada em Garanhuns. A ele, nós devemos, por exemplo, o clássico “Anatomia de uma Tragédia: a Hecatombe de Garanhuns”. E não apenas. Infelizmente, nós desconhecíamos a vastidão da obra dele, sobretudo aquilo que nela toca nossa terra.
A perda de Mário Márcio no recente ano de 2015 – inclusive, gostaria, neste momento, de saudar o professor Lourival Holanda, atual titular da cadeira de nº. 04 da Academia Pernambucana de Letras, anteriormente ocupada por meu patrono; a partida dele e, justamente, a iminência da solenização do centenário da hecatombe, oportunidade que nós tivemos, então, de rememorar esse episódio tão trágico, que merecia ser tratado com a devida circunstância e solenidade, como realmente o foi, tendo Cláudio e dr. Luís à frente, ao lado das autoridades do município e do querido Instituto; levou-me a querer trazer também Mário Márcio, de alguma forma, para o evento.
Estávamos muito bem representados pelos confrades, mas, quando me foi feito o convite para falar na última Bienal Internacional do Livro do Agreste, no último mês de maio, escolhi justamente discorrer sobre ele. E me aprofundei na obra; encontrei-me com uma das filhas dele, Maria Lectícia, que me passou muitas informações. Fizemos a palestra na Bienal e, logo depois, a pedido, no Festival de Inverno, na programação do Instituto Histórico e Geográfico de Garanhuns, do qual tenho a imensa alegria de ser fundador, junto a Audálio Filho, Cláudio, Paulo Sérgio e tantos outros confrades – a Academia, a propósito, foi nossa anfitriã; foi lá que, há quase cinco anos, concluímos nossa fundação.
Falar de Mário Márcio foi, para mim, uma oportunidade sem par, porque, quando, em 2010, eu tomei a decisão de me dedicar com afinco à história de Garanhuns, o primeiro livro que li nesse movimento de retomada – eu já conhecia, obviamente, as obras de Alfredo Leite Cavalcanti, João de Deus de Oliveira Dias, Alberto da Silva Rêgo e Alfredo Vieira – foi o “Anatomia de uma Tragédia”. Na verdade, sempre tive muita curiosidade por compreender melhor a hecatombe, por se tratar de um tema que sempre volta.
À época, estava decidido a produzir algo mais simples sobre nossa história, e foi lendo Mário Márcio que me decidi a fazer um trabalho mais profundo de pesquisa, a buscar documentos, a tentar revirar o que a gente tem tanto aqui, na cidade, quanto no Recife. Quem conhece o trabalho dele, quem teve o prazer de ler qualquer das obras dele, entre as quais alguns contos e até dois romances ambientados em Garanhuns – “Quarentena” e “Sob o Signo de Aldebarã” –, conhece seu talento.
Lendo o “Anatomia de uma Tragédia”, aquilo me impressionou tanto – a profundidade da análise, a precisão da narrativa, as fontes que ele conseguiu levantar –, que reavaliei meu objetivo. Pensei: “Não, tenho que vasculhar o que ainda não foi publicado”. E foi justamente sob o impacto da obra de meu futuro patrono que acabei redirecionando minhas pesquisas, por exemplo, para as biografias de alguns garanhuenses que, como talvez era o caso do próprio Mário Márcio, andavam um pouco esquecidos em sua terra, ou eram mesmo dela desconhecidos, por serem figuras que a haviam deixado há muito tempo.
Nesse processo, acabei descobrindo o maestro Fernand Jouteux. Um maestro francês, grande discípulo de um compositor que, acredito, muitos de vocês conheçam: Jules Massenet; e que trocou sua França querida por sua “Belle Alliance” querida – a fazenda Bela Aliança, em Brejão. Em nosso município, ele residiu por cerca de 30 anos e compôs várias obras musicais, muitas delas sacras, para nossa catedral, e também uma ópera. E aí começa a saga de Jouteux a fim de tentar montar a ópera: ele percorre o Brasil inteiro e vai parar em Minas Gerais, onde entra em contato com o então presidenciável Juscelino Kubitschek.
Essa saga, que tem ares de ficção, mas que, na realidade, não o era, foi tratada em meu primeiro livro sobre a história propriamente dita de Garanhuns: “Fernand Jouteux: o Maestro do Chapéu de Couro”. A propósito, tive a imensa honra de ter a orelha dessa obra redigida por nossa querida e saudosa Luzinette Laporte, a quem eu também gostaria de dedicar esta posse.
Aliás, estava aqui, refletindo, enquanto escutava os confrades falarem tão bem, que talvez meu caminho seja mesmo esse: o de resgatar os Mário Márcio de Almeida Santos, os Fernand Jouteux, os Gumercindo de Abreu e todos esses garanhuenses que andam esquecidos. Conto com o apoio, para tanto, de meus queridos acadêmicos confrades.
Em vista de tudo isso, queria registrar minha imensa honra de estar aqui, hoje, tendo esta oportunidade única de dignificar o legado de meus tios, tio-bisavô Raimundo de Moraes e tio-avô Humberto de Moraes; de ingressar neste quadragenário sodalício de letras e, assim, de registrar minha fidelidade à instituição, meu compromisso para com ela desde antes mesmo desta posse, e para além dela.
É difícil não se emocionar. Enquanto apreciava o belo Hino de Garanhuns, de autoria do confrade João Marques, iam-me passando pela cabeça as imagens de minha família; de meus avós paternos, de meu avô materno, Severino Camelo de Freitas, que, com certeza, gostaria muito de estar aqui – ele, que era sobrinho de Raimundo e primo de Humberto; e não só, mas, incrivelmente, também me iam passando pela cabeça, professora Luzilá, as imagens de Simoa Gomes, de Ruber van der Linden, de Luzinette...
Quando a gente ingressa em uma Academia de Letras, eu penso que uma instituição que se propõe, como consta aqui, declarado em nossos diplomas: “Consagramos o título de imortal, pela relevância da obra e pelo empenho literário”; ora, uma instituição que se propõe a nos trazer isso, a não deixar que nosso esforço em vida seja apagado quando de nossa partida, demanda da gente um compromisso muito profundo. Não é só da instituição para com a gente; é também da gente para com a instituição.
Tenho acompanhado o trabalho de dr. Luís Jardim, de professor Manoel Neto, de Cláudio e de todos os meus colegas acadêmicos; o empenho deles em não deixar que este sonho, que foi de Raimundo e de Humberto de Moraes, de Maurilo Mattos e de dr. Rilton Rodrigues, de toda aquela geração brilhante, enfim, que fundou a Academia há 40 anos, acabe.
Curiosamente, pesquisando, recentemente, sobre esses momentos iniciais de nossa Academia, nos registros familiares de tios Raimundo e Humberto, eu encontro, para minha surpresa, o então presidente da Academia Brasileira de Letras, o caruaruense Austregésilo de Athayde, saudando “a irmã mais moça”, a primeira Academia de Letras do interior de Pernambuco. Hoje, a gente tem a honra de ter entre nós a presidente da Academia Pernambucana de Letras, prestigiando-nos.
São de Drummond os célebres versos: “Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.
É assim que nós temos ido no Instituto. Quando do bicentenário da criação do município, infelizmente, essa efeméride andava esquecida, mas um grupo de garanhuenses comprometidos com nossa história não a deixou passar em branco. Como desdobramento desse triste negligenciamento, nós tivemos a fundação do Instituto Histórico e Geográfico, que é um produto dos 200 anos de Garanhuns. E a Academia é um produto dos 100 anos da elevação da sede do município à categoria de cidade.
São legados à nossa terra. Vejam que, hoje, nós estamos todos aqui para declarar nosso amor a Garanhuns, para exaltar nossa linda cidade. Eu fiquei muito emocionado, estou muito emocionado com tudo o que estou presenciando, e gostaria de agradecer aos confrades pela eleição, reiterando que eles contam comigo para que, “de mãos dadas”, nós tentemos perpetuar pela eternidade esse legado.
“Ad imortalitatem”!
Santo Antônio dos Garanhuns,

20 de janeiro de 2018

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Caro leitor, seja educado em seu comentário. O Blog Opinião reserva-se o direito de não publicar comentários de conteúdo difamatório e ofensivo, como também os que contenham palavras de baixo calão. Solicitamos a gentileza de colocarem o nome e sobrenome mesmo quando escolherem a opção anônimo. Pedimos respeito pela opinião alheia, mesmo que não concordemos com tudo que se diz.
Agradecemos a sua participação!

NOSSOS LEITORES PELO MUNDO!